sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Abri as Janelas





Por Anahi Nogueira

Abri as janelas: e lá estava o Tempo a me olhar. Era como se ele soubesse o que se passava nas janelas do meu coração. Permaneci ali por alguns instantes me lembrando do motivo pelo qual me pus a questionar alguns momentos de minha vida. Mas por que o tempo estava ali a me olhar? Por que esse olhar de quem vê além?

Lembrei-me de uma bela tarde que serviu de cenário para uma bela história... Era uma moça que passeava por uma praça de um vilarejo escondido em um vale de altas montanhas. Ali vivia ela e muitas outras pessoas... era um vilarejo comum não muito deferente da maioria das cidadezinhas de interior. As montanhas que o cercavam também não eram muito diferentes da maioria das que conhecemos. Assim como devem ser as montanhas, essas escondiam também muitas estórias, de vidas e de jornadas. Essa moça, ou melhor, e Menina, gostava muito de caminhar por entre o vale, muitas vezes sozinha. Buscava em meio às árvores e animais, encontrar. Encontrar apenas. A Menina desde que pequena já sabia que havia nascido com um defeito grave. Este defeito a acompanhara por todos esses anos. E tinham sido longos anos... Ela sentia que lhe faltava algo, lá dentro do peito. Sentia um silencio muito grande. E por isso, em meio aos seus muitos afazeres sempre arranjava um jeito de sair para procurar o que lhe faltava.

Conheciam-na como A Que Caminhava. Também falava pouco, gostava mais de olhar. E mais ainda de ouvir. Por vezes passava tardes inteiras perto de um pequeno riacho que lambia as pedras beirando a encosta da montanha mais alta. Acostumou-se a olhar aquele riacho. E a ouvi-lo. O riacho, que era muito sabido, trazia-lhe sempre muitas notícias das terras distantes, de outras cidadezinhas, e também de outras moças, ou melhor, Meninas que esperavam pelas estórias daquele riacho. Aquela Menina gostava muito de saber das notícias que o pequeno rio lhe traia, por que dessa forma sentia-se menos diferente. O rio lhe falava da falta que sentia de ter mais pessoas como ela em suas encostas, e de como era triste não poder permanecer parado por muito tempo em lugares belos como aquele, principalmente quando se tinha uma boa companhia.

Certa tarde A Que Caminhava resolveu contar ao riacho sobre seu defeito, seu silêncio. Contou-lhe sobre a angústia que sentia desde pequena por não saber o que é que lhe faltava. E falou sobre a terrível dor que é a Ignorância. Pois não saber doía mais do que não ter. Naquele momento chorou. E lágrimas muito claras e brilhantes escorreram de seu rosto para o riacho, como pequenas gotas de cristais. O riacho então lhe contou sobre um mal que havia se espalhado por muitos dos lugares por onde passava havia muitos anos, mais ou menos na época em que ela nascera. Era uma terrível doença, uma espécie de praga que havia contaminado os mais diversos povos. Seu principal sintoma era um vazio enorme dentro do peito. Falou-lhe da Solidão. Falou-lhe que a Solidão é o medo do outro, e não o medo de ficar sem o outro. Contou-lhe sobre as terríveis cicatrizes que a Solidão pode causar em quem dela sofre. Naquele momento o riacho pôs-se a cantar uma bela canção. Aquelas notas foram enchendo o peito da Menina... mais uma vez ela ouviu. Mas dessas vez, quase que pela primeira vez o ar em seu peito quis sair em forma de som. Não sentiu mais o medo. Veio forte aquele grito... e se transformou em música. Ela cantou... e cantou... e correu. Não conseguiu segurar suas pernas, nem sua voz. Em sua memória, voltou no tempo. E em si descobriu um lugar que ainda não havia visitado. No seu peito havia som... o som de um coração que batia forte, forte... e bem rápido. Seus pés a trouxeram de volta ao instante presente. Eles corriam no ritmo das batidas daquele tambor em seu peito. E eles mesmos a levaram de volta para casa. Há quanto tempo não podia chamar algum lugar de casa. E quando chegou ali lembrou-se que havia mais alguém. O Outro estava bem ali à sua espera. Sempre esteve. E ela em seu silêncio nem pode notar. Se abraçaram. E a música que havia em seu peito os pôs a dançar. Correram dançando – sabe-se lá como isso é possível! – para a praça. E naquela tarde dançaram, somente isso. E ela agradeceu em pensamento àquelas águas que haviam passado por ela. Agradeceu ao Riacho. Agora ela era água também. Juntou-se à corrente. Tornou-se água de mar...

Quando me dei conta estava ali. A janela aberta e apenas o Tempo a passar. Aquele breve momento havia se tornado eternos segundos em minha mente. A janela aberta e o mundo ali, se mostrando para mim. Tanta coisa pra viver... tanta gente! Às vezes fico pensando no infinito que somos e tento ser outro alguém mesmo que seja por poucos instantes. O fato é que é que sem o Outro não somos. Existe em nós a incontrolável necessidade do Outro. Mas quem traz o Outro para nós são as águas. O Tempo.

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